quarta-feira, 16 de abril de 2014

Memórias afetivas à mesa

De todas as saudades que tenho, as mais memoráveis são aquelas que trazem à língua um marcante sabor, ou aquelas que me tomam por seu cheiro. Ou dos momentos em que um gesto, um olhar, um sorriso, um toque, me trouxeram aconchego. Talvez a saudade de tudo isso, e de uma só vez.

A lembrança escrita nas letrinhas daquele prato de sopa, sob os olhos amorosos de minha mãe esperando que aquela refeição nos fortalecesse no corpo e na alma. Ou, quando da sua aflição em não saber o que mais oferecer além do feijão com arroz, me faz pensar que todo seu amor e preocupação se tornaram os ingredientes para fazer daquele o melhor feijão com arroz do mundo. A tranquilidade das manhãs de mingau, lembranças breves de tempos tão remotos, mas cujo aroma de aveia me permite reviver aqueles três pratos salpicados de canela: meu pai, minha mãe e eu (meus irmãos não gostavam).

Memórias cercadas de afetos, e temperadas com as melhores receitas que pude experimentar. Pães, bolos, sopas, mingau, feijão, purê, macarrão (ah, e com almôndegas ou salsicha!). Não era somente o grande talento de uma mãe na cozinha. Tampouco preparações mirabolantes ou requintadas. Era tudo muito simples, e ao mesmo tempo grandioso! Mas uma grandiosidade que se encontrava nos gestos de quem provia mais que um alimento, era um conforto. Não desses que querem compensar qualquer momento ruim, mas um conforto de experimentar sentimentos, para além dos sabores. Como o sentimento de ser cuidada por uma amável sopa ao cair em febre. Comer. Um ato que pode ser tão trivial. Mas em cada pedacinho de receita pode haver uma mágica. E desde tão cedo, tão sempre, envolve sentidos, carinhos, memórias. Memórias degustadas com sal e açúcar, na medida certa.

As melhores recordações eu como assim, com garfo, faca, colher ou de mão. E sentindo no peito o aperto daqueles dias que voltam apenas nas lembranças dos meus sentidos: olfato, paladar, visão, audição, tato... e quem sabe até um sexto sentido, uma intuição que me faz querer repetir e recriar receitas e cuidados. Saudosismo intenso!

Ah, as memórias culinárias... Atam e desatam nós, carregam consigo laços de uma vida inteira. E não estão apenas lá atrás nas lembranças de infância. A cada dia nos aquecem naquela xícara de café com leite. A cada pão partido, a cada grão moído, a cada cobertura derramada, é a vida sendo temperada com sabor de saudade.

À beira do fogão ou na geladeira. Quente ou frio, só ou acompanhado, doce ou salgado. A mesa é sempre farta de histórias.

Um comentário:

  1. Me emociono al leer tus palabras, reconforto y cierta nostalgia recorre por mi piel al recordar también lo bien que se esta sentada en la mesa, disfrutando de una comida casera y de la mejor compañía que una madre puede ofrecer.
    Muchas veces entro en la cocina y decido hacer algún plato familiar, cercano y que envuelve la casa con su aroma particular, recuerdos de un hogar materno, pareciendo que fuera mi madre quien en ese momento con una gran sonrisa... - Si! es tu plato favorito.
    Un besote enorme!

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